sábado, 31 de julho de 2010

-346° C

O fogo ainda arde.
Não é o fogo que Prometeu roubou dos céus.
É de outro fogo que eu falo, daquele fogo que queima a frio.
Não tenho e nem quero mais notícias, embora tudo que quero é saber dos seus dias.
Nenhuma das chamas ainda se extinguiu, mesmo a mais adormecida, aquela que se esconde debaixo das cinzas, esconde uma brasa viva, esperando qualquer sopro de leve.
O fogo! Nos ensinar a fazê-lo foi o melhor presente que as estrelas puderam nos dar.
O primeiro fogo, a primeira chama, nunca se apagará. Apenas cessará quando a última estrela se apagar no céu.

***

Queria entender o sentido disso tudo.
Se é que tem sentido.
Não tem sentido.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

samsara

Por favor, apague a luz. E se desejar ficar aqui ao meu lado deixe que eu fique imanginando você com os olhos fechados.
Homens tolos amam!
Não sei de mim, não sei de você.
Tem uma vela acesa, teimando em resistir aos ventos fortes e em cima de cubos de gelo.
Sou só eu? Ou somos eu e você, esmurrando o vento e lutando contra Os Inquestionáveis?
Não sei, quase sempre acho que sou apenas eu, cansado e quase sem esperanças.
Golpeando o vento, caminhando numa trilha estreita.
Me diga, por favor, sou apenas eu, ou somos nós dois?
Por favor, feche seus olhos e apague a luz.
Deixe eu desenhar meus sonhos na sombra.
Luz, chama balançando, olhos fechados, vento, sonhos, sombra. Eu, você...

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Reventón

Dizem que o espírito vagueia livre, pulando por aqui e por alí. Acredito realmente que o espírito se move livremente, não pertence a ninguém.
A porção do espírito que está em mim, que é bem pouca, precisa ser passada adiante. Antes que seja tarde, antes que a noite chegue.
Pensei que tinha achado olhos com espírito, com uma porção pequena de espírito, olhos para os quais eu deveria passar a minha porção do espírito.
O mundo atualmente anda sem nenhum espírito.
Há apenas um grande nada a ser compartilhado. Um parque de diversões que nunca fecha e um festval de horrores que se superam em requintes.
O espírito que vive em nós não nos acorrentou um ao outro. Pensei que havia acontecido este acorrentamento no olhar, no abraço.
O espírito vibrou, ressonância? Não sei se o espírito encontrou seu eco.
Num mundo pobre de espírito, o mais pobre dos homens vagueia, carregando a sua porção de espírito e tendo a obrigação de despejá-lo sobre outro.
Antes que seja tarde, antes que a noite chegue.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Plêiade

Eu sinto tanto...
Vejo agora um céu muito estrelado, muito distante do nosso céu cheio de material em partículas e luzes artificiais que encobrem o verdadeiro céu.
Comprei uma flor, talvez porque elas sejam simbólicas. São delicadas e frágeis como todos os sentimentos que a gente carrega. Que podem ser destruídos por qualquer frase, por qualquer gesto ou olhar de frieza e indiferença.
Comprei a flor naquela floricultura, a da Praça João Mendes, aquela cercada por prostitutas. Flores despedaçadas pela dureza do asfalto, dos homens e da vida.
E eu ainda sinto tanto...
Não pude ver reação, não pude ver brilho no olhar, não pude ver nada.
E o tempo passa rapidamente.
Ontem foram 13, hoje já são 17.
Dias difíceis.
E o céu continua lá. Muito acima dos meus dedos, e eu vou tentando driblar a morte, essa dama atraente que promete cura para todas as minhas dores. Eu não a quero! Não agora, que já deixei de ser estatística: não morri antes dos 18, não morri aos 25 e sobrevivi aos 30. Agora, apenas espero.
Eu sou aquele que espera, que faz contas, que inventa histórias, que elabora passatempos e que insiste em sorrir.
E o céu, carregado de estrelas, não oferece uma para mim e nem faz de mim uma delas.
Céu, estrelas, flores, fogos de artifício. Tudo é festa nesta triste passagem.
Estrela, caminhos tortos, amor.
Sonho com seu rosto iluminado a luz de velas.
Será que algum dia você me compreendeu?

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Não me diga que todos são iguais, porque não são!
Eles, quando fizeram a Revolução sabiam muito bem disso. Uns eram corruptos, outros moralistas e outros queriam roubar todo brilho e toda glória para si.
Todos são diferentes, e muito diferentes!
Igual é apenas o rebanho, o que se move guiado por outras mentes.
Eu e você não somos iguais, não somos iguais a nós dois e menos ainda iguais aos outros.
Nós dois somos muito diferentes de tudo isso que está aí.
Eles dizem que são todos iguais. Mas a cada dia, a todo minuto, vemos que todos são muito desiguais. Que são todos tratados de formas desiguais.
Eles nos enganaram. Eles sabiam de tudo isso quando fizeram a Revolução.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Quatro filhos

Meu primeiro filho herdou de você o gosto pelo silêncio, ele se afasta de todos nas festas e ele chora uma angústia e uma tristeza pela alegria vivida no dia de hoje e que amanhã será apenas uma saudade ao olhar nas fotos aqueles que já não estão.
Meu segundo filho herdou de você a sua coragem e covardia, ele é semelhante a um chiuaua, que é extremamente valente na presença do dono mas que ao ver apenas um movimento brusco do estranho se afasta mas continua latindo insistentemente. Braveza, covardia, prudência. Ele herdou de você o temor que trava a garganta na hora de dizer aquilo que se deve, o gosto pelas intermináveis discussões inúteis e o engano de dizer as palavras que magoam muito nas horas indevidas.
Meu terceiro filho herdou de você todos os seus traços delicados, afeminado, uma menina de voz rouca e trejeitos masculinizados: um entre. Enigma que atrai a todos os olhos: homens, mulheres, velhos e crianças. Todos querem sugar da sua saliva a sua beleza que cega, que é enjoativa e que esconde seus defeitos e as desproporções de seus traços. Meu terceiro filho é um enigma.
Meu quarto filho herdou de você toda a sua tolice e inteligência. Ingênuo, semi-autista, tolo, facilmente enganado por todos, mas dono de uma inteligência e sabedoria extremas, resolve qualquer problema, antevê qualquer tragédia, discute com graça e objetividade sobre qualquer tema. Meu quarto filho herdou de você o gosto pelos rascunhos, pelos rabiscos, por escrever e desenhar e no segundo seguinte se desfazer de tudo aquilo que fizera. Meu quarto filho herdou de você aquela maneira de se trancar em seu mundinho particular e a quase impossibilidade de ser retirado de lá.
Meus filhos, minhas eternas preocupações.
Como você eles me aborrecem; me aborrece amar tanto eles como eu ainda amo tanto você.
E você continua com a cabeça nas nuvens, e eu não consigo prender uma linha aos seus pés e fazer com que você flutue apenas sobre a minha cabeça.
Meus quatro filhos me dão muitas alegrias, eles geralmente me fazem chorar pelo muito que me lembram você. Tão distante, mesmo assim ainda tão dentro de mim.