segunda-feira, 29 de março de 2010

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quise'ssemos, trocar beijos e abrac,os e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o o'bolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

(Ricardo Reis)

domingo, 21 de março de 2010

Imaterial

domingo, 21 de março de 2010
17:51


Percorre, por aquela trilha, um vento. Uns dizem ser vento do esquecimento.
O vento assovia assim, como se fosse você sibilando no ouvido de alguém, numa brincadeira.
As árvores movem suas copas como se estivessem dançando, o vento não é forte, mas é bem constante.
Quero seguir por aquela trilha, sentir o vento do esquecimento.
Esquecer todos os abraços não dados, todos os apertos nunca sentidos e para afastar o fantasma presente do beijo nunca beijado.
Eu sigo a trilha, ela começa e me engana com todas as suas voltas, com todas as voltas que ela dá.
E eu não sinto nenhum vento, nenhum vento, apenas uma brisa morna e discreta.
O peso do tempo faz as minhas pernas doerem.
Esquecer a lembrança do que nunca foi é mais dolorido do que esquecer aquilo que foi e ficou no passado.
Num certo momento as folhas revolvem, segue um pequeno redemoinho.
De dentro dele sai um pequeno gênio que em tudo lembra você.
Ele faz um sinal para eu me aproximar, sopra um vento suave no meu ouvido.
As folhas balançam.
E eu dou voltas perdido no bosque, na trilha do vento do esquecimento.

domingo, 14 de março de 2010

Na capital secreta do mundo

Ike,
Meus ideais podem não serem os mais puros e nem as minhas aspirações as mais nobres.
Mas eu tenho orgulho de um dia ter encontrado você, de ter assumido o seu legado de amor.
Ver você voltar foi como ver o céu se abrir novamente.
Tenho tanto pra te mostrar e te contar!
"Boas causas atraem bons efeitos?"
Talvez você tenha essa resposta.

sábado, 13 de março de 2010

Balada para alguém incomum

Ike voltou.
Assim do nada, de repente.
Depois de tempo suficiente para dar uma volta ao mundo.
Seu rosto, suas roupas e suas botas estão cobertas de terra vermelha, marrom, amarela, poeirenta, barrenta etc.
Ike caminhou pelo mundo e, por um agrado, me fez notá-la, para poder ver o pó de outras terras cobrindo suas vestes e admirá-la muito por isso.
Ela tinha um cantinho secreto, "a capital secreta do mundo".
Espero que Ike me leve pela mão, pacientemente e me mostre esse lugar.
Ike voltou, embora ike signifique um lago, Ike é água que corre livremente, ninguém a segura.
Agradeço aos céus por Ike ter me escolhido para ver a sua roupa empoeirada e o seu cansaço da viagem.
Ike voltou...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Eris

(Só uma pessoa poderia saber que, com os olhos, no meio de todo aquele tumulto, ela procurava dizer alguma coisa para alguém que não estava lá... E esta pessoa sabe!)

Enfim, terminei.
É um esforço terrível para mim terminar alguma coisa que começo.
Pra quê terminar algo que a gente começa? Por que não deixar no meio e começar a fazer outra coisa?
O mundo pede: termine o Ensino Fundamental, termine o Ensino Médio, faça uma faculdade, termine o curso. Não seja um fracassado!
Que tipo de fracassado? Um fracassado sem diploma ou um fracassado na existência?
Tenho alguns diplomas enquadrados que guardo com carinho para eles não ficarem amarelados e empoeirados. Alguns diplomas! Foi o que ficou de grandes expectativas, de viagens, de cerimônias de premiação e de diplomação.
E eu sou o mesmo.
Se eu tivesse parado no meio de cada coisa que comecei eu seria outro?
Seria mais livre? Seria menos livre? Seria um fracasso?
Não sei.
Só sei que termino algo com prazer quando eu me empenho numa causa. Mesmo numa causa que pareça ser a causa mais perdida de todas!
(Obrigado por existirem as causas perdidas, elas dão significação à minha vida)
Terminei a minha simples estória, a entreguei e agora espero o julgamento sobre ela.
Mas tenho tanto ainda a fazer, tantos trabalhos pra desenroscar e ainda mais uma história a escrever.
Será que conseguirei iniciar?
Será que consigo chegar até o final?
Eu quero, pois tenho uma causa. A mais bela causa possível!
Perdida? Pode ser, mas não teve alguém que disse que 'a vida é uma causa perdida'?
Então, eu luto. Até o último dia, o último minuto, o último respiro.

sexta-feira, 5 de março de 2010

(un)Lebenswelt

Hoje eu gostaria de escrever sobre o tempo, gostaria de escrever sobre as estrelas e sobre os mistérios do mar, gostaria de escrever sobre dias felizes e momentos alegres. Mas não sei.
Me perco no mistério das palavras, me perco pois sei exatamente onde quero chegar, mas não sei se chego, não sei se alcanço.
Sou apenas uma alma errante, sou apenas eu. Nada além.
Nem rico, nem famoso e muito menos irresistível.
Não sou portador de múltiplos talentos, não tento e nem quero convencer ninguém de que minhas causas sejam justas e meus atos bons. Isso pouco me importa.
Mas hoje eu gostaria de escrever, não sobre o que foi ontem nem sobre o que virá, mas sobre o que é. O que é; aquilo que parece ser tão pouco, ou mesmo nada, que a gente nem percebe que guarda pois passamos os dias arrastados pra lá e pra cá, no fluxo interminável do tempo.
Quando eu faço uma pausa e penso naquilo que é (que nunca foi e talvez nunca seja) eu encontro o meu lugar. Meu lugar é sentado ao lado do seu, lá, onde os sons imperceptíveis se tornam insurportavelmente altos e silenciam as nossas vozes (ou a nossa voz).
Estou onde eu sempre estive. Não acho que isso seja bom ou mau, apenas é. Apenas não é.
E hoje é dia, hoje são dias.
Se a mensagem será recebida ou se cairá no esquecimento, tanto faz (não, não é tanto faz!).
Quero que a mensagem seja recebida, que faça eco, que reverbere, que seja retransmitida, que não morra, que não seja imperceptível.
Pode ser que a mensagem seja apenas um ruído de fundo, mas que seja um ruído de fundo que por um segundo te prenda a atenção.
Hoje é dia, hoje são dias.
E a distância intransponível de uns poucos quilômetros, parece a distância de uma galáxia inatingível ou de uma realidade paralela.
Hoje são dias.
Enfim.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Ela

Ela veste o que eu não sei.
Pernas longas, caminham não sei pra onde.
Sinto falta, sinto. Não de estar perto, mas sim dela em mim.
Ela diz "isso é segredo".
Segredo.
Ela, não sei por quê sinto falta dela, de quê sinto falta nela.
Mas sinto, só sei que sinto.
E ninguém me tira, ninguém me rouba esta vontade louca de engolir cada pedacinho dela.
Isso é meu, ninguém me rouba, ninguém me tira.
Até que eu decida vomitar, cada pedacinho dela, que está aqui.
Ela, não sei o que dizer dela, só sei que não a conheço.
Tudo o que sei é que ela disse um dia "é segredo".
E só (não é só).