domingo, 27 de setembro de 2009

Período de Saros

Nasci numa noite de eclipse, sob a Lua cor de sangue dos assassinos e vampiros.
Cresci uma criança avessa ao mundo, demônio tinhoso que olhava as pessoas por baixo, coração obscuro, criança malvada e perversa.
Mesmo assim eu me lembro que houve um simpático casal de velhos que me amou de verdade, e eu os chamava de pai e mãe. Mas os dias felizes duraram bem pouco!
O mal veio me buscar pelo braço, e a criança feliz, que imaginava ser igual a todas as outras finalmente, foi arrastada de volta às trevas e ao inferno.
E mais uma vez meus olhos se tornaram malignos, e mais uma vez eu buscava abrigo na escuridão da noite.
O eclipse voltaria a acontecer, enquanto esperava por ele eu era o mais estranho da escola, o que não era par para as danças e o que era o último a ser chamado para a formação dos times.
Mas isso pouco importava, eu esperava o eclipse.
18 anos e 11 dias, novo eclipse, eclipse da entrada no mundo adulto.
Meus cabelos eram compridos, eu vagava pelas noites.
O eclipse me tomou em cheio, ele tomou o primeiro terço de minha vida. Minha primeira morte, morri de amor, percebi o quanto é ruim morrer de amor.
Eu amava a chuva, gostava da roupa molhada pesando e colando no meu corpo, gostava da água fria que escorria dos meus cabelos até chegar aos meus lábios.
E eu esperava o meu demônio particular.
O segundo eclipse está prestes a acontecer, 36 anos e 22 dias, falta muito pouco. Perderei o segundo terço de minha vida.
Enquanto isso procuro o meu demônio particular, ou o meu anjo redentor.
Será que um dia a encontrarei?
Ainda resta tempo. O ciclo se encerra em 54 anos e 1 mês.
Aí eu serei realmente livre, minha alma voltará a fazer parte novamente da Lua cor de sangue.
Eu e meu adorável demônio, nós dois caminharemos, livres, até o local marcado para o eclipse.
E o ciclo se fecha...
... Só para recomeçar novamente...
Sem fim!

sábado, 26 de setembro de 2009

tudo que é humano me é estranho

"Eu sou homem e nada do que é humano me é estranho". (Terêncio)

É difícil amar alguém nos dias de epidemias em que nós vivemos.
Uma gripe muito forte, medo! Medo da morte.
E ainda assim insistimos.
Meu amor está distante de mim. Neste exato momento ela deve estar fazendo compras em Shibuya, caminhando próximo a Westminster ou olhando os letreiros luminosos da Times Square.
Ou ela pode estar a um raio de 15km de distância.
Em meio aos milhares de pessoas gripadas que tossem e espirram espalhando o vírus pelas ruas, pelas estações de metrô e dentro dos ônibus da cidade.
Ela pode estar andando numa rua tranquila, ou ela pode estar deitada, olhando para o teto e fazendo tramas e imaginando possibilidades.
Ar poluído, pensamentos claros e límpidos.
Meu amor caminha pelas ruas.
O paraíso e o inferno são aqui.
Com pessoas temerosas a qualquer espirro, que não terão a mínima vergonha de se afastar dos outros.
O paraíso e o inferno são aqui, com o chão coberto de flores e folhas, de lixo e de bitucas de cigarro.
O paraíso e o inferno são aqui, a todo tempo que você está ou não está, que chega ou que sai.
O paraíso e o inferno são aqui.
Meu amor caminha pelas ruas, passos firmes e rápidos e olhos perdidos na imensidão, como se a todo instante procurasse uma coisa incomum.
Meu amor...
Há amor?
Há A...
Mor!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Ferne

São Paulo, dia frio de primavera. Revendo velhos escritos.

Angel 1:1
Talvez você não saiba ou não faça a mínima idéia de como ou por que eu me apaixonei por você.
Se você soubesse o quanto a minha vida é errada desde o começo me entenderia, saberia porque eu procuro alguém minimamente humano.
Quando nossa vida é errada desde o começo talvez seja uma batalha inútil tentar consertá-la, mas é uma batalha que a gente assume sabendo que muita gente aposta no nosso fracasso. E o pior é quando algumas dessas pessoas fazem a diferença para nós.
Me apaixonei não por uma figura idealizada de alguém, ao contrário me apaixonei por uma pessoa que eu imagino que erre e acerte.
Não quero ter alguém apenas para ter motivos para me orgulhar, para esfregar na cara dos outros como um troféu da minha capacidade de ser atraente e bom conquistador.
Não mesmo! Quero alguém que também me dê motivos para eu corar, para eu me envergonhar e que eu também possa envergonhar de vez em quando.
Quero apenas alguém humano.
E cada vez que você me envergonhar eu vou te amar cada vez mais, eu não vou fazer com quem ninguém perceba que eu estou envergonhado e te defenderei até o fim.
Apenas quero, depois, poder olhar nos seus olhos e esquecer do medo, da vergonha e da censura daqueles que não têm nada mais à fazer do que reprovar a conduta dos outros.
Sei que um dia você me entenderá, talvez esse dia ainda esteja muito distante, mas trabalho por ele, para que ele chegue.
Talvez não exista coisa melhor do que abraçar aquela pessoa que nos embaraça e nos envergonha: trocando nomes, exagerando nos fatos ou reproduzindo besteiras sem muito fundamento.
Quem sabe, em breve, não riremos de tudo isso, abraçados e bem juntos um sentindo a respiração e o coração do outro bater.

domingo, 20 de setembro de 2009

a hora final

Eu te conheço desde sempre, antes mesmo que os seus olhos se abrissem pela primeira vez.
E sempre desejei, desde o ínicio que fosse você.
Suas mãos sempre foram tão firmes e seguras e o seu olhar sempre foi tão fixo.
Temia que um dia você não tivesse coragem para isso, mas apostei tudo que você seria capaz.
Desde que te vi pela primeira vez o cronômetro da minha vida começou a girar e contar o tempo, de uma forma lenta e alucinantemente veloz.
Minha vida sempre foi a não-vida, caminhando entre solos pedregosos e paisagens áridas.
Sob o brilho da Lua eu permito que o animal que vive em mim saia para passear, para satisfazer todos os seus piores instintos.
Por isso eu sempre quis que fosse você!
É uma tarefa dura demais tentar ensinar a você todas as técnicas aprendidas durante tantas décadas.
Não é fácil tornar-se duro como pedra e frio como o gelo. Mas, no meu caso, isso sempre foi muito necessário.
Vivo pela hora final, pelo momento final.
Lembra-se da praça de touros?
Touro e toureiro são amantes furiosos, um sabe que terá que destruir o outro. Eles dançam de forma furiosa: capa, espadas e punhal contra a força bruta.
O toureiro é impassível e de gestos suaves, ele exerce sua arte para encantar a arena muda, e fazer de um ato de crueldade um espetáculo.
Quero fazer de você um toureiro, capaz de frear a minha força bruta.
Mãos suaves segurando o punhal firmemente, mãos suaves e capazes de cravar o punhal de forma certeira no peito do amante furioso.
Olhos doces e fixos, tremulando com lágrimas que nunca sairão.
Serei grato por esse momento quanto ele chegar.
Decidi, desde o primeiro momento, desde que vi você segurando o peito de sua mãe pela primeira vez que queria morrer pelas suas mãos.
Agora apenas espero para que você realize o meu momento final.
Liberte-me, pois apenas à você que eu dei este poder.
Utilize-o bem.

sábado, 12 de setembro de 2009

Gomen

Quando algumas pessoas não te tratam com respeito durante toda a vida, as outras pessoas que sempre estiveram ao lado e foram coniventes com esse desprezo criticam você por sua insociabilidade.
Minhas mágoas são tantas, sinto falta do tempo em que perdoava e esquecia, mas as seguidas demonstrações de desprezo aumentaram as possibilidades: perdoar e não esquecer, não perdoar e esquecer, ou não perdoar e nem esquecer. Sinto falta do tempo em que desejava ser apenas notado por algo que tivesse bom e que despertasse a benevolência de quem me desprezava.
Hoje eu sou só indiferente.

* * *

Ela me acorda chamando o meu nome bem baixinho no meu ouvido, sua mão pesa suavemente sobre o meu ombro e sua voz e seus cabelos fazem cócegas em mim.
Pensei, por um momento, que tinha dormido sozinho. No meio da noite acordei desejando a sua presença. Que alívio ouvir sua voz.
Ela chama meu nome suavemente, repete a mesma sílaba com várias modificações, ora mais baixo, ora mais alto, ora com risinhos.
Eu olho pra ela, incrédulo, dividando realmente que ela esteja aqui.
Noite longa, havia dormido sobre uma pilha de papéis e livros, nem me lembro como cheguei até a cama.
Eu olho pra ela, ela me abraça e silencia. Sinto lágrimas quente molharem a minha blusa, me viro rapidamente para beijar seu rosto e sentir o gosto quente das lágrimas que rolam de seus olhos escondidos debaixo dos cabelos.
- Que foi, porquê chora?
- Queria tanto estar aqui, agora, com você. Até quando você vai esperar por mim?
- Mas que bobagem é essa, é claro que você está... aqui...
Reviro-me na cama, desperto ofegante.
Pensei que estava com ela, senti perfeitamente a sua voz, o seu cheiro, os seus cabelos, seu corpo pesava sobre o meu.
Reconheço este quarto, sim é o meu quarto! Não é mais aquele quarto do sonho.
Queria tanto ouvir sua voz pela manhã.
Olho para a pilha de papéis e livros, tenho tanto o que fazer, mas não tenho ânimo nenhum. Queria ouvir sua voz dizendo faça isso, faça aquilo ou mesmo me repreendendo.
Não quero me levantar até o dia em que você voltar.
"Eu é que queria estar agora com você, eu esperarei por você o quanto for preciso!"
Queria que você entrasse agora por aquela porta.
Vejo nitidamente sua imagem vindo para perto da minha cama, mais bela do que nunca.
Acordo novamente, meu rosto está dolorido e marcado pelas duras capas dos livros, até babei um pouco sobre alguns papéis, minhas costas doem, preciso ir para a minha cama.
Olho para o relógio, já é quase de manhã.
Penso nesses sonhos.
Queria realmente que você estivesse aqui.
Vou deitar.
Sua voz pergunta baixinho em meu ouvido:
- Até quando você vai esperar por mim?
- Eu esperarei o tempo que for necessário, o tempo que for preciso!
E o sono me leva pra um mundo onde eu posso estar mais próximo de você.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Shiranai

Um homem, certa vez, disse que todos nós, cada um de nós, encerramos em nossa célula primordial , todas as possibilidades da vida, todos nós podemos ser tudo, podemos ser qualquer um, mas não deixamos de ser nós mesmos, cada um um indivíduo, sempre, podendo fazer todas as escolhas: as boas e as más.
Esse homem disse também que existem infinitos mundos possíveis, onde tudo pode ser real, todos os encontros, todos os acontecimentos, tudo.
Mas apesar dos mundos possíveis serem infinitos eles são apenas possíveis, o mundo melhor, o mais perfeito é o nosso por ser real.



Vivo esperando por um milagre, por um único milagre.
E é por que milagres não acontecem que eu acredito neles.

domingo, 6 de setembro de 2009

Segunda-feira, 26 de Janeiro de 2009

Deuses invejam mortais

Nos olhos ela guarda perplexa a lembrança de um dia como aquele.
Linda como uma deusa.
O sol brilha muito na Cidade do Leste, não a cidade do leste (aquela do Paraguai), mas a Cidade do Leste.
Aquela Cidade do Leste onde as montanhas se jogam nas praias, se afogam e deixam picos esverdeados desafiando a paisagem.
Ela se permitiu sonhar, ir além.
Mas os fantasmas perseguiam seus passos, fantasmas nunca morrem!
O vento era frio, num dia de sol acanhado.
Ela não ousou ler o jornal, ela não ousou passar os olhos no horóscopo do dia.
Sabia que tudo passaria.
Humilhação, riqueza, fome, alegrias.
Sua felicidade era estar sentada lá, naquele seu lugar preferido na Cidade do Leste. Olhando o céu, procurando raios de sol que brincam entre brechas de nuvens, sentindo o vento.
Sonhos?
Claro, todos! Guardados bem no fundo do seu peito.
Saudades dela!
Linda e altiva.
Como uma deusa!
Indestrutível.
Impassível.
Triste e sorridente.
Ela nunca volta, ela não precisa voltar.
Porque ela sempre está aqui!