domingo, 15 de novembro de 2009

Mil tsurus

domingo, 15 de novembro de 2009
20:39

Milagres não existem, eles não acontecem!
Ela sabia disso.
A vida nunca fora boa com ela, apesar de todos os seus esforços, tudo parecia ser em vão.
Não era feia, arrumava-se bem, tinha um bom repertório de assuntos, não era vulgar, conhecia muita coisa do mundo e da alma humana.
Mas tudo que ela queria era ser amada, infinitamente amada, amada como se fosse a única mulher sobre a terra.
Os anos passavam e tudo o que ela conhecia era a impossibilidade do amor, eram os desencontros e eram as pessoas fúteis e vazias.
Um dia decidira morrer, morrer de amor!
Como fez isso?
Decidiu sair pelas ruas, e fez isso.
Encontrou a sua morte: sexo sem amor e sem proteção em uma rua central, à noite, com um desconhecido qualquer, sem rosto, sem nome e sem passado.
Decidiu morrer para dar sentido à sua vida.
A incubação foi longa. Não era a gestação de um filho, era o espalhamento e a multiplicação do vírus.
Drogas pesadas, acompanhamento médico constante, dores e sonhos abortados.
Nada mais de família, nada mais de casamento ou mesmo de achar o amor de sua vida.
Renunciou à todas ilusões!
Agora ela sente a dor de respirar a cada minuto, observa a progressão da doença pelo seu corpo, tem nos médicos e enfermeiros seus amigos de longos anos.
Poderíamos dizer que ela sofre e é infeliz?
Mais infeliz que eu? Ou mais infeliz que você?
Talvez não, talvez ela só tenha feito a sua escolha, talvez só tenha feito a sua troca justa com o mundo injusto.
Um voluntário de uma ONG que sempre a visitava ensinou-a a fazer origamis, e contou a ela a lenda dos mil tsurus.
Hoje ela está concluindo o milésimo.
A cidade não para, a vida não cessa e seu amor ainda não chegou.
Do seu leito ela acompanha tudo isso, mas ainda espera por um último milagre.
Espera por aquele rapaz sem rosto definido dos seus sonhos, que ela espera desde que se entende por gente.
O milésimo tsuru está pronto, feito perfeitamente por suas mãos que continuam firmes. Ela chama a enfermeira é pede que pendure os pássaros próximo à janela, para que possa vê-los balançando ao vento, como se estivessem livres e voando.
E ela, muito cansada e já quase sem forças, ainda espera firme por seu milagre.
E é por saber que milagres nunca acontecem que ela insiste tanto em esperar por eles.

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