domingo, 1 de novembro de 2009

Não tão mal (ela me mata cinco vezes no mesmo dia)

Você era tão minha quando não tinha palavras, quando não trocávamos "ois" burocráticos, quando você era apenas meu amor imaginário.
Agora, o que sou pra você? O que você é pra mim? Onde vai dar essa estrada nebulosa?
Não quero que o sonho acabe assim, não quero que as coisas acabem agora, e que não deem em nada.
Sei o que quero, quero ser seu amante!


Não tão mal (ela me mata cinco vezes no mesmo dia)

"tá tudo igual! Eu, você, o cachorro que late."
Ela fala rápido, tem uma boca que não é perfeita pra beijar, que parece mais ter sido feita pra tagarelar, mas que eu ocuparia anos de minha vida beijando.
"então, você não vai?"
"já vou, já vou!"
Teve um tempo na vida que eu pensei que nunca trocaria um videogame por uma mulher, o videogame é uma mulher que a gente dá um reset quando não dá conta das coisas que ela diz ou que ela quer, e que a gente pode desligar quando começa a ficar chato, sem nenhum sentimento de culpa.
"traz pra mim aquilo que eu gosto?"
E agora, o que será que ela gosta que quer que eu traga? Nutella? Geléia de morango? Figo? Lichia?
Putz, bem que ela podia simplificar!
"trago sim. Bom, se você quiser mais alguma coisa eu posso fazer uma lista."
Tento a estratégia da lista para não perguntar diretamente aquilo que ela tanto quer, seria o fim. Talvez ela me compreenda e não tenha nenhuma pequena afetação, mas melhor evitar.
Na verdade quero sair para respirar um pouco. Quero sentir um pouco de falta dela, só entendo o gostar assim: um pouco longe, pra sentir falta e depois poder abraçar quem eu amo.
"antes de ir, vem cá um pouquinho?"
"aham, estou indo!"
"olha pra mim! Diz que volta logo!"
"claro que volto. Eu, hein!"
"é que você demorou tanto tempo, não quero que vá embora, assim, do mesmo jeito que veio. Tão de repente."
Ela fala sério, seus olhos ficam cheios de água, ela disfarça, sorri olhando pro lado.
"eu volto logo. Me abraça agora!"
Saio meio pensativo. O que aconteceria se eu sumisse. Será que ela sentiria minha falta? Será que arrumaria logo outro e diria as mesmas coisas que me diz?
Será que eu gosto mais dela do que ela imagina que gosta de mim?
Na rua há algum movimento, é um bom dia para se ficar em casa. Só sai porque estamos com poucos mantimentos.
Entro no mercado, procuro coisas, vejo rótulos, sinto cheiros de legumes e de frutas.
Fico em dúvida,escolho tudo que ela gosta ou possa gostar. Estou caminhando sem tocar o chão, tenho medo de cair, de sentir a dor da queda quando isso tudo acabar.
Volto, giro a chave na porta. Ela está lá, vestida com uma camiseta minha, que fica bem grande nela.
Não, acho que quem vive tudo isso não sou eu. Sinto que vivo num filme, representando a vida de uma outra pessoa.
Onde e quando tudo isso começou? Quando ela me encontrou e o que ela pôde ver em mim?
"poxa, você demorou. Vem cá!"
Ela sorri e me abre os braços como uma criança que quer abraçar o mundo.
Acho que agora sou feliz.
"olha, eu trouxe tudo isso pra você! Não tinha certeza do que você queria!"
"me beija!"
E todas as compras vão esperar, largadas na mesa.

SP 24/01/2008

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