domingo, 25 de outubro de 2009

Doppelgänger

Tudo, exatamente tudo, é como se fosse um grande móbile, feito pela mais engenhosa criança. Eu, você, tudo e todos somos pequenas pecinhas de móbile gigantesco, infinito. Não existem peças inúteis, o menor dos insetos ou a maior das galáxias fazem parte desse grande móbile. E nós giramos e damos voltas, e somos ora uma coisa, ora outra coisa. Fico feliz da pequena peça que sou eu ter encontrado a peça que é você. E sigo girando...



Doppelgänger


- Vamos, escove os dentes rápido! Temos que partir!
Eu estava com um sono terrível, mal conseguia abrir os olhos e era um sacrifício esfregar os dentes com a escova.
- Temos que ir mesmo?
Já não aguentava mais tantas partidas, já não aguentava mais a vida de cidade em cidade, de estação em estação. Queria uma casa pequena, com um muro baixo e uma janela que desse para o Sol da manhã, para acordar com os raios de Sol no meu rosto.
- Sim, temos que ir! Senão, como é que você irá encontrá-la um dia?
Disseram que eu faço parte de uma história sem fim, que nunca se acaba. Disseram que eu tenho que encontrar uma outra pessoa como eu, para que essa história continue se repetindo, sempre e sempre, até o dia em que os homens não mais caminhem sobre a terra, até o dia em que a divindade purifique o mundo com água e fogo.
Não acredito muito nas histórias dos antigos.
Mas acredito mais nas histórias dos antigos do que na verdade que eles nos contam pela televisão.
- E nesse lugar, onde eu vou encontrar meu outro eu, como é esse lugar?
- Logo você saberá!
A estação de trem nos aguarda, o Sol arde mas o dia é nebuloso, uma névoa sem fim.
A viagem de trem parece interminável, a neblina esconde e mostra a paisagem aos poucos: árvores, cavalos, pessoas, vacas, casas, trabalho, pássaros voando, brincadeiras, plantações, luzes de festas, mato molhado pelo orvalho.
- Chegamos, logo você irá conhecer o lugar!
Parece um castelo, homens apressados correm para lá e para cá, ela fala algumas coisas com um deles, que vem me acompanhar, ela se despede de mim, me dá um beijo e me entrega a minha pequena maleta.
O homem me pega gentilmente pela mão e me leva para o interior do castelo.
- É aqui - diz ele - que todos como você encontram o seu outro eu.
Fiquei pensando como seria o meu outro eu: angelical, diabólico, ruivo, negro, cabelos compridos ou muito curtos, mora do outro lado do espelho, é gente, só eu o verei ou será que todos os verão?
- Seu outro eu - continuou ele - é ela. Tome cuidado com ela, ela é arredia, é firme nas suas decisões, pode derrubar um menino fraquinho assim como você com apenas um soco ou com algumas palavras. Mas ela é tão linda e tão gentil, que toda a bravura existente no coração dela não é mais que o carinho de alguém que acumulou todos os amores não vividos ao longo dos séculos. Nunca, eu disse nunca(!), a magoe, pois ela é a preferida de todos os deuses do céu. Ela sofreu para que todos sentissem um pouco menos de dor nesse mundo. Bem, meu jovenzinho, eu fico por aqui. Boa sorte!
E assim começou a minha busca insana, incansável, pelo meu outro eu, em todos os cômodos do castelo, em todas as horas do dia e em todas as janelas e espelhos.
Sei como a encontrarei, sei quando a encontrarei.

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